"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Isca de Peixe e Espinhas

E que Shiva dance para ele a dança criadora de um novo mundo, podendo nele viver refeito. 

-------------------------------------------------------------


A noite começou para Dartagnan com seu torpedo para sua ex-mulher e sempre amiga: - Tô angustiado. - Ponto. Só isso. E nenhum torpedo em resposta. Sem os remédios que o fazem dormir, sua angústia crônica levou-o então para as ruas. Caminhou-e-caminhou. Chegou a uma pizzaria onde talvez encontrasse seu melhor amigo. Não estava lá. Lá ficou. A música era boa. Anos 80. Saudosismo de cinqüentões. Na pizzaria não quis pizza. Pediu isca de peixe só para recordar e homenagear um tempo bom em Olinda que acabou mal. Também pediu uma cerveja e vieram logo três em um balde com muito gelo. O garçom adivinhou o quanto o seu organismo agüenta beber, ou serviu mais de uma para lhe poupar o trabalho de ser chamado tão cedo? Dartagnan achou que não terá que pagar as que não beber.
Desliga o celular. É uma maneira de tirar férias do mundo, já que não consegue tirar férias de si mesmo.
Depois das cervejas vem a isca. Após lambuzar a primeira fritura em um molho rosa, Dartagnan abocanha-a por inteira. - Coff! Coff! Coff... - Epa! Uma espinha atravessou sua garganta! - Já não se fazem isca de peixe como antigamente -, resmunga. - Antigamente era só com filé. Essa que serviram nem desossaram, pondera em silêncio, resignado. 
Poderia até ser uma metáfora: quando se isca o passado, ele vem inteiro: carne e ossos. Difícil de engolir como essa isca; ambos engasgam.
A boa música mantém Dartagnan ali. Repara o ambiente. Na mesa em frente, o gordo casal balança os ombros ao ritmo da balada romântica. Os que estão à sua direita falam em inglês... acha, ou em alemão, sabe-se lá, com a música alta não dá mesmo para ouvir nada muito bem. A mesa a sua esquerda o deixa em dúvida. Das duas, uma: como gesticulam muito, ou eles falam por Libras, ou são italianos.
Sente vontade de ir ao banheiro na metade da terceira cerveja. Onde é que fica? Na sua procura pelo alívio imediato não cruza com nenhum garçom para perguntar. Decide se deixar guiar pelo cheiro peculiar. Para sua felicidade, acha a gaiola dos desesperados com facilidade.
Dartagnan percebe que o programa para o resto da sua noite seria aquele. Bom para no máximo uma hora. Pede a conta. Volta de táxi.
Em casa, pensa no amanhã e no que ontem disse sua atual ex-mulher. Essa mulher, por ser amiga, ainda está presente no seu presente. Diferentemente da sua primeira ex-mulher que está em um passado que ela teima em querer fazê-lo presente. Presente grego. Sua amiga-e-mais-recente-ex-mulher disse que amanhã talvez fosse vê-lo. Talvez... talvez ele use sua isca e a puxe para dentro fechando a porta, aperte a bunda rija da moça ao encontro do seu pau em riste. Ou feche a porta, deixando-a do lado de fora, depois de dizer – com licença, não me leve a mal,  fica aí no meu passado, fora da minha casa, fora de mim.
Talvez Dartagnan precise ficar só. Sem querer o mundo que acabou e que, por isso, não pode ser mais seu.
Tenha talvez que parar de lançar suas iscas ao passado na intenção de pescar as sobras do que era gostoso pelo seu frescor. Porque o peixe do passado apodreceu. Trazê-lo, pela simples lembrança do prazer que ofereceu, o sufocará com as únicas coisas que sobraram: suas espinhas.

Sérgio Janma – outubro/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário