"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"Poesia na Roda, ÊÊÊÊ/Quem Chegou é Bem Chegado" (Oliveira Silveira)

- Canto de chamada para a Roda de Poesia-

                 Hoje as músicas não são de hoje. São antigas. Aquelas músicas latinas: “Guantanamera”, “Los Estudiantes”... um verdadeiro recital com músicas da alma. Músicas cantadas pela voz de Mercedes Sosa. Aquela gorda forte com cara de índia (talvez por ser índia) que canta forte. Voz gorda. Sua voz é a forte expressão de sua personalidade. Forte. Um corpo gordo que dança leve. Penso no peso deste corpo que dá a ideia de conforto de espírito.
            Tenho que escrever rapidamente tudo o que vejo e penso porque o tempo é curto. As luzes irão apagar-se. O recital poético logo irá começar.
            Duas vozes disputam entre si o tom dominante. O volume convence mais? Desculpas seguidas de desculpas: - Não fui lá porque pintou uma janta em MINHA casa com MEU namorado... o “Cavalo”, lembra dele?
Mas não é o que ouço o que mais me importa (até política pintou!), mas sim o que vejo: Coxas! Seios! Coxas de uma meia-morena... tostadas pelo sol. Razoáveis carnes espessas. E os seios... seios de uma branca-gringa-sensual cobertos apenas com uma camiseta branca de fina transparência. Por baixo... seios soltos. Naturais. Leitosamente naturais! Seios! Seios! Eles me fascinam... de qualquer forma... de qualquer jeito. Flácidos como duas geleias, ou os outros seios rijos da puberdade.
O recital demora. Ainda chega gente. E minha roupa é diferente.
A luz clara, aberta, dá lugar à cerrada escuridão negra. E, desflorescendo (abrindo espaços), desciam as luzes multicoloridas sobre o palco ornamentado pelo contrarregra com três decorativas cadeiras. O essencial no palco. E minha roupa é diferente. Os recitantes chegam sem camisas e sentam, sem camisas, nas decorativas cadeiras que o contrarregra colocou no palco pra que acreditássemos ter ali algum cenário.
Estou de terno-e-gravata.
Estou sentado em uma cadeira da plateia de terno-e-gravata quando o guitarista, sentado em uma cadeira, sem cantar, no canto do palco começa a tocar guitarra. Ele toca como se estivesse tocando tamborim-encouraçado-com-pele-de-gato. Batucando um samba-frevo-reggae-blues-bossanova-bolero-tango-milonga. Som rolando feito rock-and-roll. Ele é ótimo!..
Aqui... jazz.
Agora o poeta levanta. O poeta-ator. Traz um cravo branco nos cabelos-louros-longos-encaracolados como as pétalas do branco cravo nos cabelos-louros-longos-encaracolados... como as pétalas do branco cravo nos cabelos-louros-longos-encaracolados-como-as-pétalas. E o guitarista, também com cabelos, porém negro-encaracolados, continua a sambar um rock na guitarra. Os livres negros cabelos da cabeça sobre a guitarra presa pelas mãos do guitarista, acordando com carícias os acordes no braço da guitarra. Cabelos na cabeça e mãos no braço do instrumento!
Começa o recital. – Jacaré não tem pescoço/Formiga não tem coceira/Careço fazer da vida mais que uma simples brincadeira – O ator-poeta, um baixinho sem camisas e de calças brancas, cabelos-negros-compridos-sem-caracóis e de pés descalços, responde ao primeiro verso do primeiro alto poeta-ator, sem camisas e de pés descalços. E minha roupa é diferente. Estou de terno-e-gravata. O segundo, o ator-poeta, acende um Hollywood, oferece ao primeiro, o poeta-ator, e continua a recitar, repetindo o que o primeiro, o poeta-ator, recitou.
Na continuação dos poemas, reconheço alguns lugares de Porto Alegre. Mercado Público, Lomba do Pinheiro, Rua da Praia, Gasômetro... Vieram, então, os poemas de candomblé: - Oixiguidum, Oixiguidum, Oixiguidum, dum, dum... índio chupando seios tenros de índia gorda. – Áhh... os seios!
Depois interromperam e se distribuíram cópias do roteiro do recital. O poeta-ator havia se esquecido de distribuí-las antes. Enquanto isso, o guitarista toca com displicência. (Por que insisto em escrever guitarrista com um R só?!).
Os recitantes esqueceram-se dos poemas? – Os poemas são sonhos que carrego comigo. Os poemas são palavras tontas que carrego comigo... / O poeta que morreu escreveu um bilhete à humanidade. – Um lembrete. Post-script.
O segundo, o ator-poeta, declama com os braços abertos crucificados no ar. E minha roupa é diferente. Estou de terno-e-gravata. O guitarista continua a tocar, assim como continuo a escrever “guitarista”. E veio um palavrão! E veio Porto Alegre a ser novamente citada: - Casas erguidas sobre os túmulos. – Poema baixo-astral: - Tanta angústia na pele da cidade.
De repente, a surpresa: o primeiro, o poeta-ator, chama pelo nome alguns integrantes do grupo teatral de nome Pra Qtê Nome. Propõe-se recitar um poema do roteiro daquele recital poético. Os recitantes vão para a plateia e todos do grande grupo da plateia vão para o palco (a plateia fica quase vazia) e recitam, lendo o poema. Jogral ginasiano. – Falta de ensaio... fomos pegos de surpresa... Desculpas e mais desculpas, seguidas de desculpas.
Agora os recitantes voltam ao palco pra recitarem com toucas de lã. Não sem antes fazerem a devida e justa propaganda de quem às confeccionou que, por mera coincidência, é atriz do grupo Pra Qtê Nome. Toucas de lã para os poemas saírem quentinhos da cabeça?
O ator-poeta recita poemas e o poeta-ator caminha passos sem camisas pelo palco. Ambos de toucas. Uma touca cada um. Toucas diferentes entre si, uma da outra. E minha roupa é diferente. Estou de terno-e-gravata. Sem touca como o guitarista sem touca que toca rock, toca blues. O guitarista toca blues com espírito e o público o acompanha com palmas. Enquanto os recitantes antropofagicamente dançam o blues com  p-e-l-v-e-s-s-i-d-a-d-e. Recitam os conceitos do amor. Incitam o público a acompanhá-los com palmas no ritmo do blues. E em meio a outro poema se falou em seios. Meu maior tesão! Seios pequenos... os do poema. Mas o outro recitante, o ator-poeta-malicioso, interrompe o poeta-ator-puro e diz: - Não tão pequenos assim! – Seios! De terno-e-gravata concordo.
Uiva o solo da guitarra.
Aplausos com as mãos da mesma emoção.
Vieram com cheiro de indignação e sangue os poemas impertinentes dos latinos. Depois de um poema revolucionário de Federico Garcia Lorca, entra uma inesperada bicha desesperada e declama histérica, com muitos gestos requebra-estereotipados, um poema de amor de Lorca. Ao terminar, abraça-se emocionado no primeiro, o poeta-ator, que dos dois recitantes é o mais bonito.
Os dois recitantes levam a plateia a assoviar feito passarinho. Foi uma passarada a cantar em diversos idiomas e tons florestais e eu... passarim, passo a assoviar vento sonoro. Sopro. Ânima macunaimando. E minha roupa é diferente. Estou de terno-e-gravata.
Vieram também os poemas infantis. Alguns até que eram pra crianças. Ao final do recital, os recitantes, o poeta, o ator e o músico passam o chapéu. Nada mais justo, já que o ator vive do teatro, o músico da música... o poeta vive de viver a vida.
O recital terminou, tendo a continuidade dos poemas. Recitais! Recitais!
E minha roupa é diferente. Estou de terno-e-gravata, terno.
Saio do anfiteatro com meu cravo na mão, para depois cravá-lo nos cabelos. Saio do anfiteatro diferente. Estranhamente diferente. Convertido pela vertente dos versos, saio poeta.

Sérgio Janma – 11/85 
 

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