"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Por causa daquela chuva, choveu lua.





Por Sérgio Janma, para o Clube do Conto.

Por quê estar lá? No início ninguém sabia. Será que alguém um dia ficou sabendo? Algumas perguntas insólitas ficaram no ar como: por quê as camisinhas? O “Surubatã” (assim era graciosamente chamado Ubiratã, o anfitrião que transbordava testosterona) ficou de fazer melhor uso desses látex no próximo fim-de-semana, quiçá sem chuva, com seu grupo de marxistas, melhor dizendo, grupo-de-teatro-de-linha-político-social.
Não é disso que interessa falar! Porra! Tenho que falar dos cogumelos brotados depois do fim daquela chuva. Essas plantas que não se plantam merecem melhor e mais consideração da minha parte. Fui o primeiro a avistar os sagrados vegetais, rompendo-se dos estercos úmidos que estavam longe do castelo, perto do lago. Viscosos cogumelos meio beges, meio cinzas... Nós dois, os de sagitário, corremos em disparada até os frutos da merda bovina em eufóricas gargalhadas. Curvamo-nos. Reverenciamos e tal, o tal sagrado vegetal nascido dos despejos do animal, também sagrado, cantando-e-dançando: “A uni cuni ti, a uni ti (2x) Ai, ai, ai, ipi ai, caeni (2x) Aú, aú, a uni qui ti.” Canto indígena que ninguém ali sabia que diabos significava. O que importava era o efeito que ele causava, quando cantado e dançado de forma ritualística.
Não nos importaríamos tomar a chuva que ainda prometia cair, repetindo-se mais uma vez. Como também não teria a menor importância pisarmos sobre as rosetas para colhermos todos os cogumelos nascidos das bostas daquele campo. Na nossa euforia, a dela e a minha, algo se fazia mais urgente. Lançamo-nos ao lago, arrancando nossas roupas molhadas da chuva e da água-barrenta-doce que nos submergia até o peito. Derretido sexo nas águas. Líquidos salgados e doces.
Voltamos, não só com todos os cogumelos encontrados, como também uma carcaça da cabeça de uma vaca. Ela não fedia. O forte sol dos dias do verão findando secou o que os urubus deixaram grudado nos ossos. Seria um troféu a se levar para a cidade, se faltasse a nós consciência ecológica.
Esperamos até mais tarde, quando o social-latifundiário dormiu em seu castelo feudal. Pra quê esperar? Advinha o que advinha acontecer. Juntando-se a nós, os bons, vieram os outros anarco-visitantes para bebermos o chá e o chimarrão. Amarga fitoterapia.
A experiente “Madame Satã”, assim chamada por ser cantora de um inferninho na cidade, fora incumbida de preparar o chá com a devida técnica conhecida só por ela. Ninguém melhor do que uma mulher vinda do fogo, ariana que é, pra nos ensinar o que não é desse mundo... mas que também nasce da terra.
Paulo “Schimia” (menção ao seu sobrenome, Schimit) tornou-se o voluntário que não beberia aquele preparado. Seria o escriba que empunharia a caneta, a fim de registrar todas as reações dos que do líquido bebessem. Quando o chá fora servido quente na cuia, misturado com o chimarrão, “Schimia” já havia escrito na primeira folha do seu caderninho: “Noite dos cogumelos em Pasárgada.”
Passado alguns minutos, aguardávamos ansiosos os efeitos daqueles frutos nascidos nos fungos das estercos. Demorou-demorou-e-demorou... mas veio. O efeito da lua, cheia, crescendo- crescendo-e-crescendo. Enchendo-enchendo-e-enchendo. Enchendo nossas cabeças sugestionáveis, fazendo os nossos sentidos se projetarem. 
A lua desceu sobre nossas cabeças. Não descendo como desce estrela cadente. Desceu... desceu... e desceu até tomar conta de toda a imensidão do céu, até então escuro. Nossa visão teve seu sentido fragmentado: zil luas; para quantas quiséssemos escolher como luz particular.
Dormimos ali, naquela varanda, daquele pseudo castelo, com a íntima e cúmplice esperança de que chovesse novamente os nossos sonhos-sonhados, chovidos daquela lua.
Não choveu nem sonhos, nem água. Apenas precipitou-se o manto escuro naquela noite perdida num fim-de-verão de um tempo instável e distante.





     

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