"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

COLÓQUIOS INFANTIS


                         


Ontem minha filha me confidenciou por telefone que está apaixonada pelo Guilherme, coleguinha da escola. Coleguinha?! Claro, o tal Guilherme tem sete anos de idade e minha bebê tem apenas seis. Reporto-me à sua confissão sussurrada ao telefone:
            - Patrícia - Diretora da escola - não quer que eu e o Guilherme "namore" na escola. – Isto ela contou porque a babá de uma coleguinha soube por essa mesma que eles querem namorar e, pronto, dedurou, cagüetou para a diretora.
            - Pai, - continuou - estou tentando beijar ele. Quero trazer o Guilherme aqui pra dormir comigo. A cama da mamãe é grande - ela chama a avó de mamãe -, é de casal.
            - Claro, filha, - pondero – é bom dormir abraçadinho com quem se gosta. E depois mamãe vai estar junto, cuidando de vocês enquanto dormem. Não é?
            - Pai – quando o assunto é sério ela me chama simplesmente de "pai", do contrário é tal de papai, papa, pappi, papapi... e por aí vai – Pai, eu quero casar com ele! – disse exultante, ainda que em voz baixa soprada ao telefone para a avó não a ouvir.
            - Mas filha, tu "é" muito novinha, ainda tem muito tempo pra namorar antes de querer casar.
            - Eu já casei com ele. – disse ela de supetão pra testar o ritmo do meu coração
            - Como?! – Exclamei a pergunta, segurando o coração que pulava frenético pela boca.
            - Foi de mentirinha. - disse pra aliviar o impacto causado ao meu ambiente interno pela sua revelação bombástica, percebendo que ficaria definitivamente órfã de pai morto por notícia súbita. - Fui a noiva matuta – continuou – e ele o noivo na festa junina da escola. O Guilherme gostou da barba que a professora pintou na cara dele. Ele quer ficar sempre de barba.
            - Quando ele crescer, ficar mocinho, vai poder deixar a barba dele crescer. - Digo, tentando fazer-me entender. Desisto. Ela também desiste do confessionário e muda de assunto.
            - O que você tá fazendo? - Ela quer saber, sem muito interesse.
            - Falando com minha filha ao telefone.
            - Não é isso que eu quero saber! – impaciente – Você tá vendo a novela "Os sete pecados"?
            - Não, tá no intervalo. – respondo, desinteressado.
            - Quais são os sete pecados? - pergunta, iludida que eu saiba todos.
            - Áh, não vou lembrar todos, me ajuda aí.
            - Tem a gula. – ela lembra com facilidade.
            - Avareza. – digo vacilante, temendo que ela quisesse saber que danado isso quer dizer e eu não saber explicar. Não perguntou. Talvez já saiba. Às vezes acho que subestimo o conhecimento de minha filha. Então ela me deixa de saia justa (ou seria, calças curtas?):
            - Qual o pecado que você já fez? – Não querendo ser o pai-santo, digo, honestamente:
            - De todos um pouco. Ninguém é santo.
            - Você já fez o pecado da sem-vergonhice de acabar o casamento. – diz, num vaticínio com tom divertido. Como se vê, separei-me da mãe dela.
            Pela primeira vez tento encerrar o colóquio e desligar. Mas ela novamente muda de assunto, do vinho para a água:
            - Gosta de manga?
            - Gosto. - Aliviado pelo novo rumo da conversa. - Tu "come" manga na escola?
            - Tem sempre manga aqui em casa. Vovô gosta muito. - lembra.
            - Há, eu lembro. – digo interessado. – Ele gosta de manga-rosa. Eu já prefiro manga-espada.
            - Adoro mamão. – ela diz.
            - Sabe que a fruta que eu mais gosto é a banana? – Falo "banana" com vontade de lamber os beiços e estalar a língua pra ela ouvir do outro lado. - Tu não "gosta", não é? – Lembrando que ela, na fase pós-bebe, não podia nem ver a fruta cilíndrica sendo amassada sem ter arrepios pela aversão.
            - Mas eu já gosto de banana. – rebate. – Banana com leite-moça, huuummm.
            - Puxa, também as pessoas mudam, evoluem, né?! – Mostro-me surpreso, dando mais corda na minha boneca.
            - Mas tem um homem que só comia comida gorda e morreu, eu vi na tevê. – diz ela, dando mais dramaticidade à gastronômica conversa.
            - Concordo. – digo, completando que - a alimentação saudável é a que contém frutas, verduras, legumes e tal...
             - Eu sei pai. Chama Pirâmide Alimentar.
             Fiquei pasmo.
           -Tu "aprendeu" isso na escola? – Pergunto verdadeiramente curioso.
            - Mais ou menos.
            -??? – Decidi, definitivamente, por fim àquela conversa antes que ela virasse sem-pé-nem-cabeça, já que a minha cabeça estava ficando meio confusa.
            - Filha, está tarde e já estou com sono. Vou dormir. Amanhã trabalho. Tu também "tem" aula e tem que levantar cedo, etc., etc...


Sérgio Janma

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