
Ontem minha filha me confidenciou por telefone que está apaixonada pelo Guilherme, coleguinha da escola. Coleguinha?! Claro, o tal Guilherme tem sete anos de idade e minha bebê tem apenas seis. Reporto-me à sua confissão sussurrada ao telefone:
- Patrícia - Diretora da escola - não quer que eu e o Guilherme "namore" na escola. – Isto ela contou porque a babá de uma coleguinha soube por essa mesma que eles querem namorar e, pronto, dedurou, cagüetou para a diretora.
- Pai, - continuou - estou tentando beijar ele. Quero trazer o Guilherme aqui pra dormir comigo. A cama da mamãe é grande - ela chama a avó de mamãe -, é de casal.
- Claro, filha, - pondero – é bom dormir abraçadinho com quem se gosta. E depois mamãe vai estar junto, cuidando de vocês enquanto dormem. Não é?
- Pai – quando o assunto é sério ela me chama simplesmente de "pai", do contrário é tal de papai, papa, pappi, papapi... e por aí vai – Pai, eu quero casar com ele! – disse exultante, ainda que em voz baixa soprada ao telefone para a avó não a ouvir.
- Mas filha, tu "é" muito novinha, ainda tem muito tempo pra namorar antes de querer casar.
- Como?! – Exclamei a pergunta, segurando o coração que pulava frenético pela boca.
- Foi de mentirinha. - disse pra aliviar o impacto causado ao meu ambiente interno pela sua revelação bombástica, percebendo que ficaria definitivamente órfã de pai morto por notícia súbita. - Fui a noiva matuta – continuou – e ele o noivo na festa junina da escola. O Guilherme gostou da barba que a professora pintou na cara dele. Ele quer ficar sempre de barba.
- Quando ele crescer, ficar mocinho, vai poder deixar a barba dele crescer. - Digo, tentando fazer-me entender. Desisto. Ela também desiste do confessionário e muda de assunto.
- O que você tá fazendo? - Ela quer saber, sem muito interesse.
- Falando com minha filha ao telefone.
- Não é isso que eu quero saber! – impaciente – Você tá vendo a novela "Os sete pecados"?
- Não, tá no intervalo. – respondo, desinteressado.
- Quais são os sete pecados? - pergunta, iludida que eu saiba todos.
- Áh, não vou lembrar todos, me ajuda aí.
- Tem a gula. – ela lembra com facilidade.
- Avareza. – digo vacilante, temendo que ela quisesse saber que danado isso quer dizer e eu não saber explicar. Não perguntou. Talvez já saiba. Às vezes acho que subestimo o conhecimento de minha filha. Então ela me deixa de saia justa (ou seria, calças curtas?):
- Qual o pecado que você já fez? – Não querendo ser o pai-santo, digo, honestamente:
- De todos um pouco. Ninguém é santo.
- Você já fez o pecado da sem-vergonhice de acabar o casamento. – diz, num vaticínio com tom divertido. Como se vê, separei-me da mãe dela.
Pela primeira vez tento encerrar o colóquio e desligar. Mas ela novamente muda de assunto, do vinho para a água:
- Gosta de manga?
- Gosto. - Aliviado pelo novo rumo da conversa. - Tu "come" manga na escola?
- Tem sempre manga aqui em casa. Vovô gosta muito. - lembra.
- Há, eu lembro. – digo interessado. – Ele gosta de manga-rosa. Eu já prefiro manga-espada.
- Adoro mamão. – ela diz.
- Sabe que a fruta que eu mais gosto é a banana? – Falo "banana" com vontade de lamber os beiços e estalar a língua pra ela ouvir do outro lado. - Tu não "gosta", não é? – Lembrando que ela, na fase pós-bebe, não podia nem ver a fruta cilíndrica sendo amassada sem ter arrepios pela aversão.
- Mas eu já gosto de banana. – rebate. – Banana com leite-moça, huuummm.
- Puxa, também as pessoas mudam, evoluem, né?! – Mostro-me surpreso, dando mais corda na minha boneca.
- Mas tem um homem que só comia comida gorda e morreu, eu vi na tevê. – diz ela, dando mais dramaticidade à gastronômica conversa.
- Concordo. – digo, completando que - a alimentação saudável é a que contém frutas, verduras, legumes e tal...
- Eu sei pai. Chama Pirâmide Alimentar.
Fiquei pasmo.
-Tu "aprendeu" isso na escola? – Pergunto verdadeiramente curioso.
- Mais ou menos.
-??? – Decidi, definitivamente, por fim àquela conversa antes que ela virasse sem-pé-nem-cabeça, já que a minha cabeça estava ficando meio confusa.
- Filha, está tarde e já estou com sono. Vou dormir. Amanhã trabalho. Tu também "tem" aula e tem que levantar cedo, etc., etc...
Sérgio Janma
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