"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

TRANSLÚCIDO

        Na minha memória a sensação de eu ainda estar sentado na esteira daquela cadeira do teatro. Divã mágico que me faz sentir simplesmente gente por duas horas.
            Olho-me quando olho para o palco. Essa gente ali no tablado joga com seus movimentos no espaço marcado, mostrando as minhas intenções a cada passo, a cada parada. Sentam, levantam, quebram discos de vinil, ficam nus e se banham para lavarem a nudez da minha alma grafitada de cínicos preconceitos. Alma de nudez malhada por sofridas feridas, magoadas pelas minhas próprias setas.
            Eles ali no palco são um só: eu. Mas não me convidaram para o ensaio... Fragmentado, sou todos.
            Agora é só respirar, nada mais. Para eu estar vivo e presente só preciso respirar. Parece simples, mas não é. A crônica apreensão pela insegurança desqualifica minhas emoções caras. Apreensão que segura o ar, fazendo do meu peito uma panela de pressão em ponto de ebulição. Me digo: Calma. Relaxa. Respira sem pressa, sem pressão e apreensão no peito. Solta todo o gás carbônico através do ar carregado de dores. Isso. Suspira. Soluça. Solução: destrava o choro. Desamarra as couraças liquidificadas nesse choro. Rompa as barreiras que comportam teu rio de sentimentos retrôs. Transgrida. Numa dialética transcrita no teu corpo, deixa o prazer quebrar a redoma de tensões, respondendo à dor.
            No palco, o que diz aquele velho alemão, professor de filosofia aposentado, é o que já deveria ter sido dito por mim, pra mim, pro meu coração, pra minha alma. É tudo o que estava sendo fermentado em mim. Há muito tempo venho aprendendo: viver é simples como respirar. Aprender o Ásana. Ser zen sem ser sedado.
           Antagonizo-me, contracenando personagens e antipersonagens  Sou aquela menina monga. Feliz por só entender o que sente. Sou vítima do carrasco que sou. Também sou herdeiro desse teto caindo em desgraça sobre minha cabeça. Abaixo do sétimo céu, esse teto guarda desencapados fios em curtos-circuitos, soltos, programados pelo contra regra. (Ou seria o contra-a-regra?).
           Está em mim a dividida mulher que chora ao rir das verdades que o velho professor lhe fuzila à cara. Com astutos argumentos verdadeiros o sábio velho faz com que os falsos valores sofisticados, caiados, revelem-se como são: vazios e podridões bailando com a morte de cada consciência.


PS: Crônica inspirada no texto O Estranho Dr. Paulo, texto de Tankred Dorst, montada pelo diretor teatral Camilo de Lélis.



Sergio Janma

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