"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

TELA DA SOLIDÃO INSONE

            No escuro da sala duelo com a tevê que me atira aos olhos cores eletrônicas. Meu corpo, inerte e nu, é tela dos movimentos virtuais do sexo-mentira do filme pornô. Ação que não me causa nenhuma reação. O monitor irradia, na sala de luzes apagadas, luziscores dançantes a me tatuarem a pele. Fundo branco fluorescente. Um caleidoscópio imenso pelas infinitas possibilidades de variar posições, formas e figuras.
            O sexo acabou juntamente com a película, no limite do seu tempo. Outro filme reflete em mim a pura imagem do casal de adolescentes do início do século passado a passearem de mãos dadas no jardim de margaridas entre o gramado e os relevos convexos do meu peito. Na hora do beijo suas bocas cruzam a minha, selando os segredos do seu amor em meus lábios, tornando-me cúmplice passivo.
            Com um leve toque meu no remoto controle, o mesmo corpo, o meu, cenário do inocente romance alheio, virou metade escuro e, na outra metade, um campo minado de ações estúpidas e mortes gratuitas, fáceis, de outro filme com o seu andamento pela metade. Agora o inumano exterminador descontrolado que a tudo odeia, bombardeia o jardim de margaridas do filme que eu ainda guardava no meu peito. A intenção da sua ação: a vingança vingada em mim.
            Troco novamente de canal.
           No vídeo-clip, Marisa Monte canta aos meus olhos e ouvidos. Visão. Semi-adormeço e quase morro de tanta paz.
            No jantar romântico de outro filme quero ir além dos carnudos lábios de fêmea, molhados, presos ao meu umbigo, servindo-lhes de taça ainda seca para o tinto vinho seco.
            Agora é a vez do sexo selvagem dos latinos num filme do Almodóvar. Tantos gritos, gemidos, palavrões, sussurros, urros, murros, sofreguidão, gozo, as respirações desacelerando-se e o bafo quente que não sinto soprado em minha face. Os dois corpos descansam sobre o meu teso arco de músculos e pêlos.
           Tudo termina. 
    Rolam sobre mim os caracteres projetados da tela, dando créditos àqueles que atuaram por detrás dos meus sonhos insones.


                                                                                  
Sérgio Janma


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