Olhei, gostei e
pedi. Quero aquela cabra! Não é cabra, moço, é bode, reponde a simpática moça
do Mercado. Hummm... isso não estava nos meus planos. Por uma questão de
gênero, cabia mais uma cabra pra minha solidão do que um bode. Meço o bicho cinco
vezes com a palma da minha mão direita. Acho que tá de bom tamanho pra o que eu
quero. Serve. Por quanto me vende? 45 reais. Reponde-me categoricamente. Pago a
vista, digo com bocão. Não tem nenhum descontinho?! Pechincho. Já tá na
promoção, não demora já não tem mais, demonstrando não ser afeita à prosa
labiosa. Desajeitado, desatolo as cédulas da carteira e a entrego com certo
pesar por não ter obtido resultado que me fosse favorável na barganha. Enrola o bode num papel grosso de embrulhar pão. Coloco-o embaixo do braço. Tenho neste momento
a nostálgica lembrança de, quando menino, ao voltar do armazém do seu Elói, beliscava
o quentinho pão sovado de 500g, transportado embaixo do meu sovaco.
Mas
voltemos ao bode. Devo não ser faltoso com a verdade e dizer que as coisas não
foram bem assim, como até agora aqui por mim narradas. Comprei um bode, sim,
mas não tão inteiro... assim, na sua integridade física. Faltam-lhe alguns
elementos corpóreos que o impede de ser um ser integral, total na sua plenitude
de vida física. Obtive-o sem carnes para que não se corasse do sangue que também não
tinha, sem ossos para mantê-lo em pé e ereto, que nem mais pés para correrem
tinha, nem músculos para deixá-lo resistente e forte, sem garganta, língua e
voz pra grunhir socorro, ou pra que aos berros me espantasse pra longe. Esse bode,
indefeso, não tem nem cabeça pra me chifrar pelas costas.
O que, enfim,
levei pra casa foi apenas o seu belo couro de pelos ralos e vistosos.
O
couro desse bode me terá muita utilidade. Atenderá algumas de minhas
necessidades mais urgentes. Primeiro o pregarei na parede do meu quarto, logo
acima da cama, onde fica o buraco da caixa do ar condicionado que não instalei.
Solução estética, já que o bloco de gesso com o qual fechei, destoa em textura
e cor do restante da parede. Claro que num quadro foi a primeira coisa em que
pensei para pregar sobre o gesso, sobre o buraco, mas quando me informei dos
preços... Não tenho vocação pra colecionador das artes plásticas! Pensei em um tapete.
Deve ser tão caro quanto. Reconheço que o couro de bode foi a solução mais
inteligente e barata que me veio a calhar. E não é de todo “politicamente
incorreto”, não! Esse bicho foi provavelmente morto pra matar a fome de muita
gente em estado de inanição, ou não, talvez apenas em selvagem comilança festiva. É a lei de Darwin! Nada mais providencial. Restou-me dele o seu
couro.
Mas
a questão premente não está no buraco da parede. Está em um buraco qualquer dentro de mim
que não consigo sequer identificá-lo pra fechar... estancar o que lhe sai de
dentro. Sinto-me desaçoreando. A vida se esvai feito sangria de rio... até a
fossa. Até a solidão. Tô mesmo “de bode”! Expressão que dita em tempos passados,
faria todo o sentido. Quero crer, preciso crer que o simples couro de um
animal morto já não identificando o sexo que teve em vida, faça companhia à minha solidão. Então, aceito, resignado,
na sua inerte companhia passiva, que ele seja o meu bode de estimação. Meu
companheiro, minha paixão póstuma. Cúmplice mudo do que vivermos juntos. Desde que fixo
na parede, sobre minha cabeça “de bode”.
Sérgio Janma – dez/2011
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