"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

domingo, 4 de novembro de 2012

Tela da Solidão


Conto revisitado e apresentado no Clube do Conto em 03/11/12


No escuro da sala duelo com a tevê que me atira aos olhos cores eletrônicas. Meu corpo, inerte e nu, é tela dos movimentos virtuais do sexo-mentira do filme erótico que me assedia. (Sexo é a sede do meu corpo que, cedo ainda, cedo à sua mais aguda sede.) Ação que não me causa nenhuma reação. O monitor irradia na sala de luzes apagadas, luziscores dançantes a me tatuarem a pele. Fundo branco fluorescente. Um caleidoscópio-corpo imenso, imensurável pelas infinitas possibilidades de variar posições, formas e figuras.

O sexo em mim e por mim acabou, juntamente com o da película, no limite do seu tempo dramático. Outro filme reflete em meu corpo a pura imagem do casal de adolescentes do início do século passado a passearem de mãos dadas no jardim de margaridas, entre o gramado e os convexos relevos testemunhas do meu desgastado peito. Na hora do beijo suas bocas cruzam a minha, selando os segredos do seu amor em meus lábios, tornando-me cúmplice passivo na trama.

Meu leve toque no remoto controle faz com que o mesmo corpo, o meu, transforme-se em dois cenários sobrepostos, ilusoriamente simultâneos. O inocente romance alheio ainda guardava suas marcas de purezas na flor da minha pele, quando me sobreveio ao escuro, clarões de campos minados a explodirem pirotécnicos em ações estúpidas com mortes gratuitas, fáceis, de outro filme já na sua metade. Agora o inumano exterminador descontrolado que a tudo odeia, bombardeia o jardim de margaridas que eu insistia em regar no meu peito. A intenção da sua ação era a pura vingança vingada em mim.

Troco novamente de canal.

Vídeo-clip. Marisa Monte canta Amor I Love You aos meus ouvidos e olhos. Semi-adormeço e quase morro de tanta paz.

No jantar romântico de outro filme, quero ir além dos carnudos lábios da fêmea, úmidos, presos ao meu umbigo, servindo-lhe de taça seca para o derramar do molhado vinho tinto seco.

Agora é a vez do sexo selvagem dos latinos num filme do Almodóvar. Tantos gritos, gemidos, palavrões, sussurros, urros, murros, sofreguidão, gozo e as respirações desacelerando-se em bafo quente que não sinto soprado em minha face. Os dois corpos descansam sobre o meu teso arco de músculos e pelos.

Rolam sobre mim, neste ser resumido em um extenuado corpo, os caracteres projetados da tela, dando créditos aos nomes dos que trabalharam por detrás dos meus sonhos em insone noite de verão.

Tudo termina. Madrugada vem e a noite vai. Mágica do tempo que cria as cromáticas ausência e presença na sala-de-estar-só.


Sérgio Janma


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