Não tô nada bem!
(1º Lugar na Categoria Conto do 8º Concurso Literário Mário Quintana do Sintrajufe/RS em âmbito nacional)
Cheguei sem pressa dez minutos antes do
marcado. Sentado na cadeira de tecido, fico entre o cochilo e a vigília. Tô até
paciente demais. Até porque SOU UM PACIENTE! Já tô medicado e não ofereço
perigo algum. Raiva humana não é transmissível através de salivosas mordidas...
creio. Mas quando salivo de raiva, sei não, minha baba pode contaminar. Não
agora, aqui nesse consultório, onde espero o tempo passar e, nessa passagem
dele por mim, desembarque a psicoterapeuta que aguardo e, espero me olhe como alguém
que apenas não tá nada bem. Vai ser difícil convencê-la do meu estado adverso,
depois de ter feito uso, receitados, de 2 mg de Rivotril e uma cápsula inteira
de 75mg de Venlaxin. Drogas legais que me deixam mais legal, mais domesticado
que muito animal que necessita de coleira. Ainda não necessitei dela, mas andei
perto de precisar pedi-la emprestado ao vizinho do lado, tão zeloso com seu
estimado cãozinho.
A recepcionista, pensando que eu estaria me importando com o atraso, informa
que a “doutora” não demoraria, estava a caminho. Continuo absorto no meu
semi-cochilo. O quê dizer à “doutora”? Não sei e nem quero saber. Vai depender
do que ela me perguntar e eu quiser revelar. Mas quer saber?! Tô numa boa, de
bem com a vida, sob o efeito dessa paz medicamentosa. Então, vou dizer tudo!
Tudo mesmo. Minhas vivências dos vinte recentes anos.
Ela entra. Surpreendo-me a ponto de despertar da minha morgação.
Ela não é simplesmente uma “doutora” qualquer. É UMA MULHER! Eu já sabia que
seria atendido por uma psicoterapeuta mulher. Cruel foi não terem adiantado os
seus requisitos femininos! Na recepção deveria ter no quadro de avisos o
informe de suas características físicas, uma foto seria melhor, pra que ninguém
despreparado feito eu, fosse surpreendido no primeiro encontro. O aviso deveria
ser assim: Neste santuário,
atendimentos serão feitos por Vênus, ou se preferirem, Afrodite. Mas saibam que
se trata da mesma pessoa que agrada a gregos e romanos. Ao contrário de uma justificada
agitação, me mantive tranquilão, apenas mais esperto. Aquela beleza à minha
frente faria qualquer moribundo em visita à ante-sala da morte, querer se
agarrar à vida pra apreciar este paraíso feminino.
Ela vai querer saber das coisas que sinto, penso, experimento, vivencio. A
mulher mais interessante que já vi interessada por mim! Vai querer meu bem
estar... vai querer me fazer feliz! Não quero mais a cura! Não quero alta nunca
mais.
A conversa se inicia, após o educado pedido de desculpas
pelo atraso. Tenho que falar de mim pra que ela melhor me conheça. Falo com
bastante vagar pra também conhecê-la melhor. Falo tudo o que me vem à cabeça
pra encompridar a conversa, enquanto observo-a em todos os detalhes. Olhos no
olhos, de vez em quando. O que vejo é o todo. Vejo-a toda. Cabelos claros, pele
clara, membros proporcionais de uma falsa magreza... e os claros olhos pra ver
claramente o que exatamente quer. Quer cuidar de mim.
Vejo suas mãos. Só consigo ver a tez e perceber que elas estão sobrepostas.
Aliança? Não a vejo e pouco importa se há algum ornamento anelar. Os dedos já
servem de enfeites àquelas mãos que imagino macias. Isso me basta. Assistir a
uma beleza acima do trivial já traz prazer aos meus sentidos fragmentados.
Então tá. Semana que vem nos encontramos, mesmo dia e horário. Até
lá o lerdo tempo será meu pior inimigo. Tempo que vai me lembrar a todo o
instante que NÃO TÔ NADA BEM!
Não sou religioso, mas nos dias de nossos encontros, terei 50 minutos pra minha
adoração.
Sérgio Janma
É Sérgio...dizem alguns que somente a possibilidade ,cura.Outros dizem que no outro há sempre ume spelho e que somos diferentes, quando desejamos.Belo conto! Beijo grande
ResponderExcluirSó tenho que aceitar o que dizes, Adriana Bandeira, afinal, falas de cadeira... e divã.
ResponderExcluirGrato,
Sergio Janma