"Leia como quem beija, beije como quem escreve"
(Maxwell F. Dantas)

sábado, 17 de março de 2012

PELOS ODORES DA NOITE, AMANHECEMOS EM CHEIRO DE JASMIM.


Beijei-te, depois de tanto dançarmos tontos naquela poeira a céu aberto.
Bebi no beijo misturas alcoólicas acompanhadas por teu vômito. A minha boca na tua. Beijo em um mix de gosto azedo. “Não me deixe nunca mais sozinha, fica comigo”, vinha de tua boca em sons bêbados, desarticulados por soluços (sem solução) e o engolir das próprias lágrimas negras pelo borrar da maquiagem. Tinta preta em rosto negro. Deitar tua cabeça zonza em meu ombro era muito pouco a se fazer. Era preciso cuidar-te. Levar-te pra minha casa, preparar um chá de boldo, deitar teu corpo desprotegido em minha cama, deixando que se secassem tuas lágrimas na fronha do meu travesseiro. As mesmas lágrimas que temperaram os meus dedos; provaste deles, voraz, como se fossem divinos manás. Colocando-os dentro de tua boca que protege e guarda uma língua sempre quente e úmida. Meus dedos pingados do meu próprio mijo, seco ao vento e à poeira.
Não sei de quanto tempo precisei pra tirar tuas roupas apertadas. Nessas horas o tempo não é preciso. Mas nos três outros tempos seguintes, cronologicamente indeterminados, naveguei o meu cuidado em teu preciso corpo: teus mamilos cromos, teu umbigo (caverna rasa) e minha língua traficando meu tesão pra dentro de teu sexo, aberto em duas pétalas rubras. Únicas partes despertas dos teus tecidos. Não me importava com os negros pêlos duros a arranharem meu nariz e, tampouco, os cheiros acres.
Eu, de início, queria apenas deitar teu corpo bêbado, instável, tonto (e estonteante), nesta minha cama que já conheceu pesos de outros corpos juntos (nem sempre justos) ao meu. Só queria cuidar-te, tratar das mágoas da tua alma torturada por um amor fantasma de viúva sem matrimônio.
Entre o colocar a camisinha e o aborto do meu gozo, o teu “onde estou. Por que estou nua? O quê aconteceu?” E o meu desconsertado “nada de mais... vê se dorme”. Nada aconteceu.
Depois de espremer todo o meu calor sob a chuveirada fria, vou para o outro quarto, caindo pesado na cama.
Não durmo.
Penso no que até então passei nesta noite atípica do meu cotidiano. Começo, então, a perceber que tudo se relaciona aos cheiros. O indecifrável cheiro de azedume daquela bêbada boca que beijei. O cheiro asfixiante da poeira levantada do chão batido; o fedor ácido da química alisante dos cabelos dela; os adocicados aromas da maquiagem e do perfume; o cheiro amargo do chá de boldo; do azedo suor nos lençóis e travesseiros; dos nossos hálitos fortes e voláteis de álcool. Cheiro de ureia na urina; do preservativo untado de óleo aromatizado, sabor morango. E os característicos cheiros dos sexos com muitas horas passadas do asseio: do macho, o cheiro de sebo da porra; da fêmea, o cheiro dos seres do mar...
A lâmpada acesa da cozinha produz vulto e silhueta ao teu corpo vindo em minha direção, envolto pela toalha, ainda banhado em espumas do sabonete de ervas. A meia-luz e o nosso frescor sossegam nossos corpos em uma só calma. Cheirei teu corpo inteiro. As fragrâncias do teu corpo contaminaram o meu. Tínhamos agora o mesmo cheiro doce da limpeza dos nossos banhos perfumados.
“O quê está fazendo?”, desta vez partindo da minha boca, antes de ser calada pelo beijo da tua, trazendo arrastada na língua a sussurrada resposta: “Sexo”. E minha língua, embevecida por acúmulos de prazer, sentiu bem mais do que resquícios dos odores bêbados da noite.
Acordamos, então, amanhecidos com o novo dia de dezembro penetrando em nossas narinas o aroma dos jasmins dos quintais vizinhos.

Sérgio Janma - João Pessoa, 03/2012.

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